quinta-feira, 8 de novembro de 2012

INQUISIÇÃO E MEDO NO BRASIL COLÔNIA.







Este trabalho pretende analisar comoo Processo Inquisitorial foi legitimado e moldado a partir do medo, quais foram os agentes causadores desse medo e de que forma esses fatores influenciaram nas relações sociais e  cotidianasno Brasil Colonial.
A Inquisiçãoque desempenhou um importantíssimo papel dentro da Igreja como um instrumento  de afirmação e manutenção do Cristianismo, motivada e mantida mais pelo medo do que pela fé, buscava combater as heresias, que simbolizavam uma ruptura na ordem natural estabelecida por Deus.
Assim, como os povos antigos que viam no medo um poder mais forte do que os homens, sendo esse fator decisivo nos destinos tanto individuais quanto coletivos, a Inquisição controlava as ações dos fieis através do medo, criando um ambiente de desconfiança, em que as pessoas tinham medo dos seus vizinhos, dos seus amigos e até dos desconhecidos, pois qualquer um poderia denunciar um herege, assim como ninguém estava isento de ser condenado. Havia também o medo do pecado, medo de si próprio, temendo tornar-se um agente do diabo, medo da ira de Deus, medo da mortee principalmente o medo de condenar a sua alma por toda a eternidade.
Desta forma, a Igreja utilizava-se desses medos para coibir as pessoas de praticarem qualquer tipo de comportamento que não estivesse de acordo com os dogmas da Igreja, tais como poções mágicas, práticas curativas, benzeduras, culto à ídolos pagãos,  entre outros.
Não foi realizado nenhum auto de fé no Brasil, no entanto houveramprisões, torturas, confiscos dos bens e até morte. Os hereges que cometiam os crimes mais graves, e tinham como sentença a morte, eram encaminhados para Portugal.
O processo Inquisitorial no Brasil durou cerca de 300 anos, foi um grande instrumento de disseminação do Cristianismo, uma ferramenta poderosa no controle das massas além de ter acarretado grandes transformações no âmbito social, religioso, econômico e cultural da colônia.

OBJETIVO GERAL

Analisar os agentes causadores do medo na Inquisição no Brasil Colonial.



OBJETIVOS ESPECÍFICOS

·         Examinar o papel da Igreja enquanto detentora da verdade absoluta e da salvação.
·         Compreender a relação entre Medo e Inquisição no Brasil Colonial.
·         Analisar os reflexos das ações inquisitoriais no cotidiano da sociedade Colonial.



 FUNDAMENTAÇÃOTEÓRICA


            Desde a queda do Império Romano com a consolidação do Cristianismo, a Igreja católica estendeu seus domíniosem todos os aspectossociais e políticos que caracterizavam a Europa Medieval. Dentro da sociedade o clero não se submetia as leis dos homens, mas as leis dos homens necessitavam da aprovação divina. A Igreja que já eradetentora do poder espiritual, dona da verdade absoluta e da salvação, passou a ter suas práticas  associadas ao poder temporal, e chegou a ter posse de cerca de um terço das terras da Europa.

            O culto aoCristianismofoi legalmente liberado por Constantino no ano de 313, e gradativamente se disseminou  por toda a Europa, tomando proporções gigantescas, as pessoas não tinham o livre arbítrio de escolher entre ser ou não ser cristão. Era-se cristão simplesmente. A Igreja era o único caminho, o único meio de livrar os fiéis do mal que habitava dentro de cada um, através das práticas heréticas. As pessoas eram assoladas pelo medo de perder a própria alma. Havia a crença no sobrenatural, no poder das trevas e de seus demônios no mundo, segundo Richards (1993, p. 82):

[...] Acreditava também nabruxaria, que era uma explicação conveniente tanto para as catástrofes naturais súbitas (fome, epidemias, tempestades, enchentes, destruição de safras e animais) quanto para problemas familiares recorrentes, tais como impotência, infertilidade, crianças natimortas e mortalidade infantil.


            A Igreja oferecia aos seus fieis uma tábua de salvação, de vida eterna e que somente por intermédio dela os homens seriam poupados do fim apocalíptico para o qual a sociedade caminhava.

            Apesar do controle imponente e inquestionável da Igreja, não foi possível conter a difusão das heresias, principalmente dos cátaros ou albigenses do sul da França nos séculos XII e XIII, visto que suas práticas constituíram-senuma espécie de Igreja diferente da Igreja de Roma. Para os Cátaros, a Igreja não necessitava de dogmas, a religião tinha que sersimples, de acordo com os ensinamentos de Cristo, já na visão da  Igreja Romana tais práticas eram inaceitáveis, pois colocavam em dúvida a infalibilidade da Igreja,contestavam os dogmas e abalavam o poder e a força da Santa Fé.

            Como forma de conter asheresias, e manter o domínio da Igreja, a Inquisição medieval foi responsável porperseguições e atos de extrema crueldade, dizimou populações inteiras e levou a fogueira milhares de hereges.“Em sua origem, aInquisição foi produto de um mundo brutal, insensível e ignorante. Assim, o que não surpreende foi ela própria insensível e ignorante”, como afirmam Baigent e Leigh (2001, p. 15)

            Assim como a Inquisição medieval,a Inquisição Moderna agia em nome da Fé, buscando unificar e expandir o Cristianismo e suas práticas tinham como justificativa de salvar almas, mesmo que para isso tivessem que lhes queimar a carne dos infiéis como forma de purificação. Outra principal característica era a manipulação dos fieis por intermédio do medo, as pessoas viviam angustiadas, num ambiente de incertezas e insegurança. Segundo Delumeau(2009, p. 34) “Como o medo, a angustia é ambivalente. É pressentimento do insólito e espera da novidade; vertigem do nada e esperança de plenitude [...]”

            A Inquisição Modernateve seu apogeu durante os séculos XVI, XVII e XVIII,  principalmente na PenínsulaIbérica, tinha o seu território composto por Cristãos, muçulmanos, judeus, Mouros, entre outros grupos. Então a Inquisição na Península teve um caráter de unificação.
As terras reconquistadas foram reorganizadasem reinos ibéricos, no final do século XV e início do século XVI, houve a união dos reinos de Castela e Aragão. Essa união também estava vinculada ao poder da Igreja, na figura do Papa.  Essa união valia-se do princípio da Fé, no entanto era motivada por interesses próprios, enquanto os Reis garantiam recompensas financeiras, a Igreja garantia o seu legado, como afirma Novinsky (1986, p. 30):
A Inquisição ibérica ultrapassou de longe a crueldade e intensidade da inquisição papal na Idade Média. Foi estabelecida com a autoridade do papa, mas seu idealizador foio rei, com o objetivoprincipal não de resolver um problema aparentemente religioso, mas social.[...]

Com o apoio da burguesia, o rei se fortaleceu, justificando as suas ações eo seu poder absoluto como sendo a vontade divina. “Se o rei era soberano pela vontade e graça de Deus, nada mais lógico que jurasse defender o Cristianismoe fazer tudo para mantê-lo intacto”, como afirma Siqueira (1998, p.14).
Este processo de retomada da Península Ibérica conculminou com as grandes navegações, ao conquistar novas terras o reino poderia obter metais preciosos, matérias-primas, e produtos inexistentes na Europa. Até mesmo a Igreja Católica estava interessada nesteempreendimento, pois significava novos fieis.
A presença da Inquisição no mundocolonial era uma forma lucrativa de manter esse novo mundo unido a Metrópole e submetido ao poder do rei.  O Tribunal se adequou a vida dos povos ibéricos da maneira mais completa possível. “A instalação do Santo Oficio nas colônias da Espanha e de Portugal foi portanto, uma decorrência do processo de colonização”, como afirma Siqueira (1998, p.23).
Assim como na Metrópole houveram perseguições, principalmente aos Judeus, visando confiscar seus bens. As acusações eram feitas por intermédio dedenúncias, muitas vezes sem provas. Ao longo da colonização três Tribunais se instauraram nas colônias espanholas: na cidade do México, onde se realizou omaior auto de fé, na cidade do Peru e em Goa.
Os reis de Portugal e da Espanha viram no Tribunal do Santo Ofício uma maneirade combater as práticas heréticasque ameaçavam a ordem natural de Deus, motivada e mantida mais pelo medo do que pela fé.  A Igreja Católicafoi uma peça fundamental tanto na disseminação, quanto no combate do medo.
O maior agente causador do medo,o Diabo, ou seja, o mal personificado   rodeava a vida das pessoas, os fieis viam-se assim segmentado em medos nomeados e explicados pela Igreja Católica como afirma Delumeau (2009, p. 44) :

Uma ameaça global de morte viu-se assim segmentada em medos, seguramente temíveis, mas ‘nomeados’ e explicados, porque refletidos e aclarados pelos homens deIgreja. Essa enunciação designava perigos e adversários contra os quais o combate era se não fácil, ao menos possível, com a ajuda da graça de Deus.

            Os medos podiam ser cíclicos, que eram aqueles que surgiam de um momento para outro e que da mesma forma desapareciam,como por exemplo, o medo das epidemias, das mazelas, dos impostos, dos forasteiros, medo do desconhecido.  Existiam também os medos permanentes que agonizavam as mentes assombradas.
Esses medos não tinham distinção de classe social, eeram alimentados pelas sagradas escrituras – Bíblia, ou por intermédio de membros do clero. Dentre esses medos o principal deles era: Medo do demônio, de ser corrompido pelo mal.Existia outros medos como, por exemplo: medo do mar, das estrelas, medo de pecar, medo da ira de Deus, medo da morte.
Observa-se que a Igreja católica era um instrumento tanto de combate aos agentes causadores do medo, quanto uma grande fonte de disseminação do medo, como afirma Delumeau (2009, p. 44):“[...] Desmascarar Satã e seus agentes e lutar contra o mal era, além disso, diminuir sobre a Terra a dose de infortúnios de que são a verdadeira causa [...].”
            Diferentemente da Inquisição Espanhola, a Inquisição Portuguesa não estabeleceu nenhum Tribunal formalmente, no entanto a ausência de uma sede fixa não impediu a Inquisição de estabelecer regras de comportamento dentro da sociedade colonial. O Brasil recebeuvisitações da Inquisição  durante os três  séculos da colonização. Apesar de não ter havido um Tribunal do Santo Oficio nacolônia, houveram perseguições,  confiscos, prisões, torturas  e até morte. Quando um réu era condenado a penas mais graves ele era encaminhado para a Metrópole.
Váriosfatores contribuíram que  não fosse instaurado um Tribunal do Santo Ofício  na colônia, dentre eles: as doenças,  a precariedade das   viagens,  a não  socialização do índio e principalmente  o fato de não  haver um retorno financeiro imediato.
            A ideia de um mundo sem regras incomodava a Igreja.A própria menção da palavra Brasil estava associada a práticas heréticas, em que a cor vermelha, do pau-brasil, simbolizava a figura da brasa quente, como o inferno e a prática dos colonos viverem em fornicações.
Assimcomo na Metrópole  a Inquisição Portuguesa  fazia o uso de  tormentos e torturas para  conseguir as delações e  confissões.  Qualquer umestava a mercê de ser  considerado  um herege.  Criandouma  atmosfera de  medo e desconfiança, em que as pessoas  tinham medo dos seus vizinhos, dos seus amigos e até dos  desconhecidos.
Qualquerprática  que fosse  contra os dogmas da Igreja era punida com severidade,  como comer carne nos dias de quaresma, não jejuar, tomar banhos nas Sextas-feiras, ler livros proibidos. Bastava ter uma ideia contrária ao catolicismo ou acobertar alguém que compartilhasse,as ações inquisitoriais moldaram o comportamento da sociedade  colonial.
            Os Cristãos-novosforam o principal alvo da Inquisição no Brasil, a Igreja acreditavam que eles eram disseminadores de  heresias, no entanto, outro fator mais importante era o aspecto econômico, que poderia dar aos cristãos –novos uma maior autonomia e um poder maior de  ação no meio social. Segundo Novinsky (1986, p. 79):

O auge de perseguições inquisitoriais no Brasil deu-se na primeira metade doséculo XVIII, quando a produção do ouro dominava a economia colonial  [...] Aproximadamente 500 cristãos  novos, entre  homens  e mulheres, foram  levados para   os cárceres da Inquisição    em Portugal,  acusados  de  serem judaizantes [...]

            Fórmulas mágicas para cura, rezas também foram  denunciadas,  devido a falta de profissionais da saúde, e também devido as grandes distâncias eram comuns o uso de  curandeiros, o uso das plantas nativas misturadas a saliva e aplicadas obre os ferimentos.Para a Inquisição, essas pessoas eram possuídas por demônios e tinham que se libertadas. Como afirma Siqueira (1998, p.29) “ [...] como  tudo isso era feito acreditando que as  doenças  tinham sua origem em malefícios e  bruxarias, supunha-se  que os curandeiros  tinham relação íntima com forças sobrenaturais que provavelmente vinham do  demônio.”
            Não existia apenas o controle do corpo, existiao  controle da mente. As pessoastinham os seus desejos, suas  vontades oprimidas, segundo Vainfas (2010, p.61) “Para livrar os fieis de tão terrível destino os nossos pregadores acenavam a confissão, único meio de reconciliá-los com Deus,  desde que confessassem perfeita e verdadeiramente  todos os pecados, sem exceção.”
            A Inquisição nacolônia foi responsável, por  muitas das  práticas doutrinárias existentes até os dias de hoje, e as suas ações contribuíram para moldar a  sociedade em  todos os aspectos: culturais, político, religioso e por que não econômico. Segundo Novinsky (1986, p.87) “[...]durante  os três séculos, podemos dizer que a Inquisição, com o apoio do Estado, atacando os cristãos-novos [...] impediu o desenvolvimento do capitalismo comercial. A  burguesia portuguesa que nascia  [ ...] foi castrada pela Inquisição [...]”.


Walnísia Nóbrega,
Licenciada pelas Faculdades Integradas de Patos. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente 1300-1800: uma cidade sitiada; TraduçãoMaria  Lucia  Machado;  Tradução  de  notas  Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

NOVINSKY, Anita Waingort. A Inquisição. São Paulo: Brasiliense, 1986.

RICHARDS, Jeffrey. Sexo,desvio   e  danação: as  minorias  na  Idade  Média. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

SIQUEIRA, Sônia Aparecida. A inquisição. São Paulo: FTD, 1998.

VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard.A Inquisição. Rio de Janeiro: Imago, 2001.

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